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domingo, 17 de março de 2013

Absurdo! Livro de Alexandre Azevedo taxado de racista



                O vereador baiano Sílvio Humberto parece ter conseguido seus quinze minutos de fama ao denunciar como racista um dos mais de cem livros publicados pelo professor, filósofo e escritor Alexandre Azevedo. Definitivamente, conseguiu aparecer. Criar um factoide, bem ao estilo do líder populista carioca César Maia.
                Sinto, mas não vou gastar mais de um parágrafo a quem parece não ter compromisso com uma análise mais equilibrada dos fatos. Melhor falar a respeito da obra que causou tanta polêmica. Tenho comigo um exemplar da primeira edição (Editora Paulus, 1995), autografada pelo próprio autor em Ribeirão Preto. Resolvi reler o livrinho, direcionado às crianças recém-alfabetizadas. Trata-se de um poema de apenas quarenta versos, que conta a história da menina Fernanda e suas duas bonecas: uma nova e bonita, e outra velha e feia (feia por ser velha, já gasta, maltratada, surrada pelo uso, como todos os brinquedos que fazem sucesso com as crianças). Ao que parece, o distinto vereador sequer se deu ao trabalho de ler com atenção esses poucos quarenta versos. Deve ter subido à tribuna baseado em informações alheias. Porque tentei, com toda a isenção possível, enxergar qualquer traço de racismo oculto nos quarenta pequenos versos, e não consegui.
                Aliás, nós mal ficamos sequer sabendo quais são os atributos físicos das bonecas em questão. Sabemos que a boneca bonita (que ao final é rejeitada pela menina, que prefere a boneca “feia”) tem “grandes olhos azulados”. E nada é dito da boneca feia. Será morena então? Será oriental? Terá aparência indígena? O texto não diz nada a respeito. Muito menos que a boneca é negra.
                Ora, o racismo é um crime condenável, abominável. Tanto que é inafiançável. Quem irá contra isso? Mas uma coisa é o crime constatado e provado. Outra é o oportunismo. Posso falar de cadeira, pois tenho ascendentes africanos e me orgulho disso. Parece-me que alguns professores e um certo político viram nesse caso uma oportunidade para se sobressair na mídia. Ou algo que o valha.
                Poderia ser que o ilustrador houvesse sido levado, por algum motivo inconfessável, a desenhar uma bonequinha negra – o que também não ocorreu – mas mesmo assim não seria o caso de acusar o autor do texto. Para quem não sabe, o escritor dificilmente interfere e dá diretrizes na ilustração e no projeto gráfico da obra.
                Onde está a liberdade de expressão no estado de Ruy Barbosa, de Castro Alves, de Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro? É muito simples subir numa tribuna e, em minutos, condenar uma obra literária, taxando-a de racista, de preconceituosa ou o que quer que seja. E, dessa maneira, tentar desmerecer um professor de Literatura com mais de cem livros publicados e mais de vinte anos de trabalho pela cultura brasileira, levando, de norte a sul do país, uma mensagem de incentivo à leitura às nossas crianças e aos nossos jovens. É provável que essas pessoas sequer tenham se preocupado em conhecer melhor a biografia desse autor. Essas pessoas não fazem ideia das dificuldades por que passa um escritor que tenta honestamente viver de sua produção literária num país como o nosso, ainda sem tradição maciça de leitura, mesmo entre adultos com alguma cultura e formação acadêmica, infelizmente.
                Julguem por si mesmos, senhores, os versos causadores da polêmica, segundo uma nota assinada pela própria Fundação Palmares:
Fernanda tem duas bonecas.
Uma é linda de se ver.
A outra, coitadinha, é feinha de doer.
A bonita tem cabelo loiro, todo ele trançado.
Quando se puxa uma corda,
vira a cabecinha para o lado.
A feia tem pouco cabelo,
de tanto que já foi puxado.
Não tem pilha, não tem corda,
não se move para o lado

Onde está o racismo mesmo? Será que também personagem com pouco cabelo agora é indício de racismo?
                Mas o Alexandre não está em má companhia, muito ao contrário. Está em companhia, por exemplo, de Monteiro Lobato. Se houvesse encontrado pessoas tão intolerantes em sua época, o criador de Emília, Dona Benta e Tia Nastácia, talvez tivesse sido banido das escolas e das prateleiras das livrarias, deixando de divertir e instruir milhões de crianças até hoje. Felizmente isso não aconteceu e, apesar de certas reações paranoicas, ele continua a ser o mais conhecido, respeitado e querido escritor de livros infanto-juvenis do nosso país.
                Graciliano Ramos, um dos gênios da nossa literatura, foi acusado de antissemitismo.
                Joseph Conrad, escritor de origem polonesa que escreveu algumas obras-primas da literatura inglesa do século XIX (“Lord Jim”, “Linha de Sombra”, “Coração das Trevas”), também foi acusado de preconceituoso e racista. Só para ficar na Inglaterra, temos outro gigante da literatura, Charles Dickens (“Grandes Esperanças”, “David Coperfield”, “Oliver Twist”, entre tantos outros) que foi taxado de antissemita por algumas frases dentre aquelas suas dezenas de milhares de páginas que orgulham a literatura ocidental.
                Ah! Como é fácil fazer barulho em torno do trabalho alheio. Outros grandes autores poderiam ser lembrados. Mas, para concluir, basta ficarmos com um dos maiores fundadores da literatura moderna. William Shakespeare. Racista, antissemita e inimigo do Islã. Sim, também ele foi acusado de racismo porque Otelo era mouro e tem momentos de fúria, ao receber a notícia da traição de Desdêmona. E porque Shylock (“O mercador de Veneza”) era um judeu mesquinho.
                Melhor ficar por aqui. O absurdo é muito grande. Mas ele se junta à lista interminável de aberrações semelhantes do longo da história. Volto a repetir: o racismo é abominável, inaceitável e indesculpável. Se alguém tiver dúvida a respeito das ideias que defendo, por favor, dê-se ao trabalho de conhecer alguns dos meus livros, como “Resgate de Amor”, “A Fúria do Mundo” ou “A estrada de San Martín”.
                Porém, tão importante quanto combater esse execrável chaga da humanidade é saber reconhecer o racismo onde ele realmente está, distinguindo-o da mera liberdade da criação literária.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Yacamim, a floresta sem fim

Estou de volta depois de uma certa ausência.
Alguns compromissos, alguma correria, pequenos problemas. Às vezes parece que nosso tempo fica curto e vinte e quatro horas passam num sopro.
Mas aqui estou para falar da nova versão de "Yacamim, a floresta sem fim", cuja nova edição, com um belo projeto gráfico da Germana Viana, acaba de sair pela Giz Editorial. Aliás, a foto acima foi "capturada" de uma imagem do estúdio da ilustradora.
Yacamim é um trabalho pelo qual tenho muito carinho. Nele está muito da minha visão pessoal de mundo, da vida, de como a fantasia e a realidade se abraçam para a criação de universos únicos no imaginário de cada um de nós.
É uma história de persistência, de desafio e de descobertas. Mas não vou falar aqui de teorias literárias, nem fazer uma resenha, nem antecipar a história. Deixo todas as descobertas para vocês, leitores.
Mas o legal do trabalho foi o envolvimento diário de toda a equipe: as editoras Simone Matheus e Giulia Moon, a ilustradora Germana Viana e este autor que vos fala (apesar da distância física de São Paulo), conseguimos discutir e resolver cada um dos desafios que foram surgindo ao longo do projeto.
E as ilustrações, que considero um dos pontos fortes do livro, pois serão a primeira comunicação da história com o (candidato a) leitor, traduziram bem as cenas e momentos importantes da aventura da pequena e solitária Keila pelos mistérios dessa floresta encantada. Cumpriram seu papel de completar o texto e, mais do que isso, dialogar com ele, enriquecendo-o.
Mais do que isso, só mesmo bebendo da fonte do próprio livro... para conferir em primeira mão o trabalho dessa equipe maravilhosa que trabalhou comigo, ajudando a dar vida à novíssima edição de Yacamim.
E, para concluir, fiquem com uma das ilustrações da Germana Viana, que faz parte do livro.