Com mais uma Copa do Mundo realizada neste marcante 2014, desta vez no "país do futebol", tivemos oportunidade de repensar mais uma vez nosso espírito brasileiro. Somos um país alegre, um povo hospitaleiro e brincalhão, e um celeiro de craques, como se diz no senso comum. Verdade. Porém, mais uma vez, provamos que ao mesmo tempo, dentro de campo nos falta equilíbrio emocional. E fora, como acontece em quase todos os setores da vida brasileira, falta organização.
Mais uma vez, como ocorre também nos Jogos Olímpicos (a outra grande festa mundial do esporte), nós perdemos quando somos azarões (afinal, os favoritos eram os outros mesmo...) e perdemos quando somos favoritos (o favoritismo pesou).
Isso parece não acontecer com a maioria das potências esportivas. Ou talvez aconteça, mas em menor proporção.
Voltemos ao futebol. Somos um fornecedor de matéria-prima em estado bruto (os craques). Ninguém viu nascer mais jogadores virtuosos em sua plagas do que nós, tupiniquins. Desde os primórdios do futebol, quando tentaram mudar o nome do esporte para ludopédio, sem sucesso. Desde os tempos de
El Tigre Arthur Friedenreich, de Leônidas e Domingos da Guia. Técnica é conosco mesmo. Fomos os inventores da bicicleta, do drible chamado
elástico, mas certamente não do carrinho. Acontece que o futebol, como todo esporte, não é feito apenas de tática. Como na guerra, precisa de táticas e estratégias. De força mental, preparação psicológica e organização. E de bons comandantes.
A Copa brasileira nos mostrou mais uma vez que, ao longo da história, ficamos apenas na técnica. Técnica de Pelé, de Ademir da Guia, de Rivelino, de Nilton Santos, Romário, Ronaldo, Zico, Sócrates, Tostão, Gérson, Dirceu Lopes, Ronaldinho Gaúcho... a lista é interminável. Pecamos, porém, na tática. A última aventura do nosso selecionado nacional, sob a batuta do mestre Felipão, nos mostrou que... tática? Não tivemos nenhuma. Repetimos os mesmos erros, de não ter uma variação de jogo sequer, e de ficar dependentes de um único jogador. De não termos levado um jogador experiente para os momentos críticos, um líder substituto, ainda que longe de suas condições físicas e técnicas.
Quando eu era criança, ouvia repetirem um senso comum: os brasileiros têm ginga, têm jogo de cintura e os europeus têm cintura dura. Por isso é que somos os reis do futebol.
De alguma maneira, isso não funciona há muito tempo.
Nunca conseguimos aliar a técnica refinada de nossos jogadores ao sentido de uma tática apurada e eficiente. E juntar a isso uma organização primorosa (para lembrar um adjetivo bem ao gosto dos locutores de antigamente) fora de campo. Se tivéssemos chegado a isso, seríamos imbatíveis. Mas basta olhar para a nossa história recente para perceber que ainda deixamos campeonatos mal-resolvidos, títulos nacionais que até hoje são questionados e discutidos.
Os europeus - mais uma vez a julgar pelo senso comum - conseguiram igualar nossa técnica em poucos momentos. Com Puskas, Beckenbauer, Cruyff, Baggio, Bobby Moore... mas há muito tempo desenvolveram um senso de tática e de organização que nos deixaram no chão. A diferença é tanta que praticamente nenhum técnico brasileiro consegue trabalhar com sucesso na Europa. Por outro lado, também não conseguimos atrair técnicos europeus para cá, com as exceções de praxe. Problemas culturais e financeiros pesam decisivamente.
Por que me lembrei disso tudo agora? Não foi por causa da última Copa do Mundo. A respeito dela, muitos cronistas já falaram mais e melhor do que eu, praticamente esgotando o assunto.
É que sempre achei curiosa a dança dos técnicos em nosso futebol. Mano Meneses acaba de se despedir do Corínthians de uma maneira não usual. Classificou o time para a Libertadores (mesmo que para a primeira fase, o que é um aceno para a tragédia), mas mesmo assim vai embora. A diretoria corintiana está desunida, é verdade. Mas o técnico gaúcho chegou no início do ano para reestruturar a equipe, saturada após a conquista do título mundial. Em um ano, não conseguiu convencer a torcida e a diretoria. Merecia mais um tempo? Ele diz que sim. Mas um ano ainda é insuficiente para substituir alguns jogadores e alterar a maneira de o time jogar, implementando um padrão de jogo e variações táticas fundamentais?
Mano dá a entender que sua saída do Corínthians foi precoce. Foi expulso do pomar quando ia colher os frutos do seu trabalho. Tive essa impressão quando da sua saída da seleção. Ele fez inúmeras experiências e percorreu boa parte do caminho, deixando-o aberto para que Felipão chegasse e ostentasse a aura de vitorioso por algum tempo. Infelizmente, muito curto também. Mas no Corínthians talvez tivesse tido um bom tempo (considerando o número de jogos que um time tem durante todo o ano, ao contrário da seleção) e um razoável elenco à sua disposição. Mas Mano parece ser aquele tipo de técnico frio e teórico, que precisa de calma para estruturar uma equipe ao longo de várias temporadas. Não tem aquele toque do mágico que em pouco tempo faz uma equipe desencantar. Como fizeram Marcelo Oliveira e Cuca. Não se iludam, corintianos: Tite também é assim, tem um jeito lento de fazer as coisas acontecerem.
Em nosso futebol, porém, o tempo é marcado por um compasso nervoso, ansioso.
Na Europa um técnico como Arsène Wenger está há quase vinte anos no tradicional Arsenal inglês. Ganhou poucos títulos, tomou goleadas, fez campanhas medíocres ao longo desse tempo. Mas continua firme no posto.
Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Há equipes que trocam de técnicos cinco ou seis vezes por ano por aqui. E nem por isso melhoram seus resultados. Qual será o modelo ideal?
Essas e outras perguntas continuam no ar. Por que nossos técnicos parecem tão abaixo do nível dos técnicos europeus? Precisariam estudar mais? E por que não o fazem? Ou são os jogadores que não conseguem executar as ideias dos seus comandantes?
Nunca tivemos tão poucos técnicos em boa consideração por público e mídia: Cuca, Tite, Marcelo Oliveira, Levir Culpi... a unanimidade nunca foi tão escassa. E enquanto isso, continua a macabra dança das cadeiras, que não leva a lugar nenhum. Azar dos clubes, e dos sofridos torcedores.